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Então, ela vai embora.

Pensei nisso o caminho inteiro. Passei aquelas últimas semanas rezando para que não acontecesse, mas não leve a mal, não é que eu não queria que Camila fosse feliz, queria apenas tornar minha vida menos miserável.

No entanto, era isso. Camila iria se mudar para Budapeste. Havia conseguido uma bolsa de estudos de arte.

Arte em Budapeste. Repeti essas palavras em minha cabeça pelo menos umas vinte vezes, e elas ecoavam quase como um cisma do destino.

Ela pedia que eu dissesse alguma coisa, mas estava tentando engolir o choro. Não sei se chorava por ela ou por mim, pela minha desgraça.

Ela deu um sorriso amarelo.

Lembrei-me de quando a conheci. Estava eu numa época muito difícil da minha vida, pior que essa, havia terminado o relacionamento mais profundo da minha vida, meu primeiro amor.

Fui dilacerado sem piedade por Mariana. Vivi com ela os seis meses mais intensos de amor que alguém poderia imaginar. Conheci Mariana em viagens a trabalho, nos encontrávamos todos os meses em congressos, no terceiro mês seguido não agüentei. No mês seguinte estávamos juntos. Ela morava em Porto Alegre, eu em São Paulo. Mas o que nos destruiu não foi a distância, foi o ciúmes. Ela amava ser desejada e isso não era difícil. Eu não agüentava a pachorra dela. Ligações, e-mails, cartas, flores, presentes de outros homens. Eram apenas amigos, ela dizia, e eu acreditava (ou fingia acreditar) para ficar com ela. Até que não durou mais. Numa noite de terça-feira ela me ligou. Chorando, dizia que não queria, mas tinha que terminar para nosso bem. E foi ali que deu início três meses de amargura. Meus amigos me tiravam de casa a força, saia toda quinta, sexta, sábado e domingo; porém não queria. Numa dessas saídas conheci Camila.

Camila era interessante. Do grupo de amigas ela foi a única que me chamou a atenção. Tínhamos amigos em comum o que fez com que eu passasse a noite toda perto dela. Lá perto das cinco da manhã ela já estava pra lá de bêbada e se aproximou de mim. Balbuciou algumas palavras em russo, porque sabia que eu falava russo, mas com a sua pronuncia só consegui entender a palavra “beijo” e foi o que fiz a beijei intensamente.

No dia seguinte ela me ligou, inusitado. Disse que queria me ver e foi assim que passamos um ano juntos.

Não vou negar que no começo era apenas físico, achei que nunca mais ia gostar de alguém depois de Mariana, mas fui seguindo. Camila me fascinava, mesmo eu achando que ela protelava a vida com a essa história de estudar arte. Tenho minha parcela de culpa, nunca acreditei que Camila fosse pra algum lugar, nos imaginava casados, mas claro comigo sustentando a casa já que eu é que sempre tive dinheiro.

Eu sempre fui o sério, amargurado, cinza. Talvez por isso queria tanto Camila perto de mim, ela era o contrário de mim.

Quando já nos aproximávamos do nono mês juntos nosso relacionamento começou a degringolar, não nos ligávamos, nos víamos de maneira forçada e eu me enfiava no trabalho. Não nego também que dei minhas escapadelas, mas a culpa era maior depois. Até que um mês antes da notícia fatídica passamos a nos dar bem de maneira incrível, comecei a viver uma época excelente. Éramos felizes, e pude sentir com mais firmeza a idéia do casamento. Parecia como aquele momento de lucidez que temos antes da morte, um momento que usamos para nos despedir dos familiares e amigos; foi nosso momento antes da morte que já se arrastava a meses pela metástase.

Até que um dia ela entra no carro e diz: “Vinícius! Consegui aquela bolsa de estudos em Budapeste!”

Queria ter comemorado com ela, ter ficado feliz, ter saído pra beber champanhe e ir para um restaurante caro. Mas não consegui, tive que ao menos ser fiel a mim mesmo. Por dentro desabei. Tudo aquilo que eu tinha planejado e cultivado não era verdade.

Ela pedia que eu dissesse alguma coisa.

Apenas consegui dizer que andorinha em húngaro é fecske.

Ela deu um sorriso amarelo.

POSTED BY Karina ON sábado, 13 de agosto de 2011 @ 18:32
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